Procurámos, ao longo desta dissertação, dar conta de como os desenvolvimentos acelerados nas Tecnologias da Informação e da Comunicação, no quadro de mudanças socioculturais significativas e de alteração da relação dos indivíduos com os média, numa confluência entre alguns aspectos característicos da posmodernidade, a cultura da Internet e o fenómeno globalmente designado Web 2.0, estão a ter um impacto profundo nas formas como é perspectivada a aprendizagem online e como são entendidos os papéis de quem ensina e de quem aprende, bem como o das instituições educativas. Central nessas mudanças é a problematização da noção de conhecimento e dos modos como este é transmitido, produzido ou distribuído em redes que escapam, muitas vezes, ao controlo de organizações e instituições. Procuraremos, nestas breves considerações finais, falar de algumas perspectivas possíveis em termos do futuro mais ou menos próximo em termos do ensino e da aprendizagem.
A emergência de uma cultura participatória, em que o locus de poder, de controlo e de produção de conteúdos se desloca de produtores e distribuidores profissionais nas várias áreas de actividade humana para aqueles que alguns apelidam de prosumers – “a combination of producer and consumer that perfectly describes the millions of participants in the Web 2.0 revolution”, nas palavras de Duncan Riley (15-06-2007) – acaba por levar, no domínio da Educação, a uma busca de soluções que dêem resposta a estas novas realidades na forma de pedagogias participatórias (Askins, 2008; Collis & Moonen, 2008, referidos por Siemens, 10-10-2008). Numa pedagogia deste tipo, o currículo não é fechado nem totalmente predefinido, recebendo contribuições dos aprendentes. Por outro lado, o conteúdo final da experiência de aprendizagem integra múltiplas perspectivas e opiniões, e não uma única (do professor, da instituição), bem como a criação activa por parte do aprendente.
A outras abordagens existentes, de raiz construtivista e socioconstrutivista, actualizadas para as novas potencialidades oferecidas pelo software social (Dalsgaard, 07-2006; van Harmelen, 04-2008; T. Anderson, 2005), juntam-se ainda novas propostas especificamente conceptualizadas para a era digital, como o Conectivismo (Siemens, 12-12-2004) ou a Educação Rizomática (Cormier, 07-2008), postulando uma transição dos modelos centrados no controlo do ensino pela instituição ou pelo professor, para modelos que prevêem um maior controlo por parte do aprendente (Moore, 11-2007; Siemens, 10-10-2008) e uma cultura de colaboração e de construção partilhada do conhecimento entre indivíduos independentes e autónomos.
Por outro lado, com o crescimento exponencial de informação disponível, sem precedentes no passado, assistimos à transição de um mundo baseado no conhecimento estável e percepcionado como fiável, produzido por autoridades científicas, académicas, ou outras, para um mundo de instabilidade e incerteza, fluido, de conhecimento produzido pelo indivíduo (Kress & Pachler, 2007, citados por Siemens, 10-10-2008). Esse enorme volume de informação e a grande diversidade de fontes disponíveis (Moore, 11-2007; Siemens, 2006), bem como a possibilidade de armazenarmos informação em dispositivos externos, libertando a nossa mente para outros processos cognitivos (Daanen & Facer, 2007; Siemens, 2006) colocam novos desafios e exigem novas competências de gestão, organização e mobilização de informação e do conhecimento.
Em termos da aprendizagem, o desenvolvimento da literacia digital torna-se especialmente relevante, orientada para o suporte à autonomia e à independência do aprendente, permitindo-lhe desenvolver a sua aprendizagem em contexto e à medida das suas necessidades, numa lógica “just in time” e já não “just in case”, fazendo convergir os domínios formais e informais, em modelos que se baseiam em redes e ecologias onde se processa a aprendizagem e o acesso ao conhecimento (Downes, 16-11-2008; Siemens, 10-10-2008; 2006). A capacidade para definir os seus objectivos, identificar as suas necessidades e escolher as opções adequadas a cada situação específica tornam-se competências fulcrais para os aprendentes (Moore, 11-2007; Siemens, 2006; Downes, 16-11-2008).
Como referem Downes (16-10-2005) e Daanen & Facer (2007), cada vez mais os modos e suportes de comunicação e expressão se diversificam, mercê de formas mais intuitivas de interacção com recursos digitais, ideias e conhecimentos: textos, gráficos, áudio, vídeo, simulações, etc., frequentemente em sínteses compósitas, requerem a aquisição ou o desenvolvimento de competências de “leitura” e descodificação da informação e, também, de produção.
Aquilo que permitirá ao indivíduo que aprende (sempre, em todos os contextos e ao longo de toda a sua vida) mover-se com segurança e eficiência neste universo distribuído e descentralizado é, como vimos anteriormente, um PLE (Personal Learning Environment), misto de ferramentas e de uma certa forma de encarar a comunicação e a aprendizagem online, que lhe proporciona o acesso aos recursos, pessoas e ambientes necessários de forma autónoma e sob o seu controlo, mas que poderá vir a servir, também, como um porfolio digital “automático” (Downes 16-11-2008), onde vá registando todas as suas acções e realizações, actividades e interacções com pessoas e objectos. Isso poderá ter como consequência, segundo Downes (op. cit.), o desenvolvimento de perfis altamente específicos e documentados das actividades e das interacções com pessoas e objectos, um pouco na linha da web semântica ou do Giant Global Graph referidos por Tim Berners-Lee (11-11-2007), e proporcionar a construção de um corpus demonstrativo da aprendizagem e da capacidade de aplicação de um indivíduo que pode conduzir a uma certificação ou ao interesse por parte de empregadores.
Um aspecto crucial a considerar nesta visão é o da construção de uma presença online que passa, inevitavelmente, por uma estabilização e aprofundamento da nossa identidade digital, que nos permita circular por diversos contextos e ambientes com uma autenticação única e segura e garanta, por outro lado, a autenticidade desses artefactos, explorações e realizações que o nosso eportfólio documenta.
Em determinadas circuntâncias, podem desenvolver-se modelos em que a educação é praticada pela comunidade como um todo, com indivíduos estudando currículos pessoais ao seu próprio ritmo, orientados e apoiados por facilitadores na comunidade, instrutores online e especialistas em todo o mundo (Downes, 16-11-2008). Podem, até, emergir comunidades de indivíduos auto-suficientes que aprendem por si próprios, criando as suas próprias profissões e o seu próprio futuro (op. cit.) e vendo o seu conhecimento e competências reconhecidos pela comunidade. O modelo rizomático de Cormier (07-2008), por exemplo, propõe um currículo construído e negociado em tempo real por todos os envolvidos no processo de aprendizagem, sem input externo de especialistas. A comunidade constitui, ela própria, o currículo, continuamente moldado e refeito para se adaptar às constantes mudanças contextuais.
A rapidez e as tendências exibidas pelo desenvolvimento tecnológico fazem antever, a curto prazo (já acontece parcialmente, diga-se em abono da verdade), uma tecnologia digital embebida e distribuída na maior parte dos objectos e dos ambientes que usamos e com os quais interagimos (Daanen & Facer, 2007). A convergência tecnológica está a tornar-se uma realidade, esbatendo fronteiras entre meios tradicionalmente separados – telefone, TV, Internet, etc. – e acrescentando-lhes a extrema portabilidade e mobilidade.
Em termos da Educação, a pergunta óbvia é como lidarão as instituições educativas com estas mudanças aceleradas e que tipo de formas de acesso e integração serão capazes de proporcionar. É verdade que estas novas funcionalidades oferecem novos ambientes e contextos muito ricos para a educação e a formação, nomeadamente, por exemplo, na utilização de jogos, ambientes imersivos ou simulações que podem colocar os indivíduos em situações de aprendizagem e desempenho bem mais próximas de situações reais (Moore, 11-2007; Daanen & Facer, 2007; Downes, 16-11-2008), sem os riscos inerentes a algumas circunstâncias. Mas, como bem lembra Michael Moore (11-2007), não basta comprar uma ilha no Second Life e dar lá um curso para que este tenha qualidade intrínseca. Usar as novas tecnologias para prosseguir velhos métodos – geralmente, a distribuição de conteúdos numa lógica de transmissão de conhecimentos, como tem sido o paradigma dominante no ensino superior (talvez porque, como sublinha Moore, haja tantas pessoas em posições influentes nas universidades sem qualquer formação na teoria ou na prática pedagógicas) – não tem ganhos significativos. Como não terá, também, e ainda segundo este autor, a introdução avulsa de tecnologias e serviços Web 2.0 se isso não for acompanhado de mudanças ao nível do desenho dos cursos, do papel e actuação do professor e das decisões institucionais relativas a rácios professor-estudante e às condições dadas aos vários intervenientes no processo de ensino e de aprendizagem (mais tempo para o professor apoiar os estudantes e para a preparação de materiais e de recursos por parte deste ou de tecnólogos, por exemplo). Para Moore, a objecção tradicional a estas mudanças – o custo – não passa de um velho preconceito: a verdade é que não é realmente necessário que todos os professores façam parte do corpo docente fixo de uma Universidade. Na sua perspectiva, o ensino distribuído não é (da mesma forma que a aprendizagem distribuída) necessariamente pior e responde de forma eficaz a este problema (Moore, 11-2007). Para Downes (16-11-2008), um bom nível de autonomia dos estudantes na utilização de recursos providenciados por professores ou outros educadores e o apoio de que podem beneficiar em redes colaborativas é, também, uma boa solução para lidar com o controlo de custos para as instituições.
Estas dificuldades ou resistências face à mudança por parte das instituições, ciosas do controlo que detêm sobre o processo, motivou o desabafo recente de George Siemens (07-12-2008), segundo o qual “PLEs are great. They’re just completely incompatible with the existing education system”. Para este autor, nem se trata propriamente de adoptar soluções radicais e uniformes: para quem prefira aprender num ambiente estruturado e mais tradicional, as universidades podem perfeitamente continuar a oferecer planos de estudos com prazos temporais fixos, como tem sido a prática mais corrente até aqui. Nem se trata, tampouco, como em algumas visões mais utópicas, de acabar com as universidades e os sistemas formais de educação e de acreditação. De acordo com Siemens (10-10-2008), a acreditação continua a ser uma função da maior relevância a desempenhar pelas universidades, mas a sua ligação ao ensino está a enfraquecer – a solução, segundo ele, seria alargar o conceito de acreditação para a Universidade manter o seu papel fundamental neste âmbito:
A broad, holistic, accreditation approach is one where the whole person is considered in determining competence. Enlarging the university’s current conception of accreditation is an important step forward that ensures universities continue to hold a central role in the knowledge process. (Siemens, 10-10-2008)
As instituições de ensino superior podem evoluir e alargar ou aprofundar o âmbito da sua actividade, tornando-se organizações que formam conexões e facilitam relações, criam oportunidades de investigação e funcionam como locais de descoberta e avanço do conhecimento (Siemens, op. cit.).
Também Tony Bates, em The state of e-learning, 2008 (19-12-2008), traça um retrato pouco optimista da forma como as instituições educativas estão a reagir a estas mudanças e a integrar a tecnologia no ensino e na aprendizagem. Do seu ponto de vista, o grau de inovação e de reflexão tendentes à mudança em torno da utilização das tecnologias são muito baixos, perpetuando-se os métodos que visavam preparar os indivíduos para uma sociedade industrial que está a desaparecer rapidamente, quando as necessidades actuais são muito diferentes:
We need to use technology as an integral part of our teaching and learning activities to prepare learners for a knowledge-based society, where learning prepares for and matches the world of work, leisure and society. (op. cit.)
Para o professor, todas estas mudanças implicam, naturalmente, uma nova perspectiva do seu papel, competências e funções. Este(s) “You” que a revista Time escolheu para “Personalidade do Ano” em 2006 têm outras necessidades e outras ambições: querem ser activos na interacção com os conteúdos, inclusive na sua co-criação, dialogar com outros e partilhar as suas experiências e, sobretudo, ter uma sensação de controlo e posse (ownership) sobre a sua aprendizagem e os espaços em que esta se desenvolve. Para poder responder a estas novas necessidades e ambições e constituir, com a sua experiência, sabedoria e orientação, um nó/filtro relevante na(s) rede(s) em que os seus estudantes aprendem, o professor não pode ser um estranho a estas redes e ecologias, mas antes habitá-las e participar no diálogo global, desenvolvendo o seu próprio PLE adaptado às sua suas características e necessidades. O desafio é o de participar no esforço de inovação, de experimentação e de desenvolvimento de novas respostas a novos problemas que são, também, oportunidades de continuar a ter um papel relevante na construção do conhecimento e na educação das pessoas.
A um outro nível, na perspectiva de Daanen & Facer (2007), é toda a sociedade que tem que questionar os pressupostos tradicionais sobre para que serve a educação, quem a conduz e como é avaliada, para decidir como ela há-de mudar para ir ao encontro das necessidades sociais, ambientais, espirituais e humanas do futuro. Como referiu Siemens a este propósito no final da sua conferência em Braga (10-10-2008),
Education is concerned with the act of becoming (…) The current age should be one of throwing open doors of learning to bring as many potential contributors to our future as possible.
Ou, na visão mais utópica e libertária de Stephen Downes relativamente ao futuro próximo, com que gostaríamos de terminar esta nossa narrativa,
This will be the last generation in which education is the practice of authority, and the first where it becomes, as has always been intended by educators, an act of liberty. (16-11-2008)
Referências Bibliográficas
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