Num artigo intitulado e-Learning 2.0, publicado em Outubro de 2005 na eLearn Magazine, Stephen Downes faz um retrato algo desencantado da realidade do e-learning na altura, considerando que “In general, where we are now in the online world is where we were before the beginning of e-learning”. Segundo o autor, o e-learning tinha-se burocratizado e aproximado, cada vez mais, dos modelos tradicionais de ensino, seja presenciais, seja a distância. Mesmo algo tão inovador e com elevado potencial como o conceito de learning objects (objectos de aprendizagem) tinha-se tornado a base de um edifício que fornecia um ensino fechado, inflexível e redutor, encerrado em sistemas de gestão da aprendizagem (Learning Management Systems) como o Blackboard ou o WebCTque punham todo o controlo do lado das instituições:
Content is organized according to this traditional model and delivered either completely online or in conjunction with more traditional seminars, to cohorts of students, led by an instructor, following a specified curriculum to be completed at a predetermined pace. (Downes, 16-10-2005)
Contudo, as mudanças em curso na Internet e nas formas como esta era utilizada pelas pessoas, que deram origem à designação Web 2.0, não poderiam deixar de ter um forte impacto na educação e na aprendizagem, fazendo entrever uma transição deste cenário cinzento para uma outra forma que, seguindo o movimento e as características dominantes da Web 2.0, daria muito maior autonomia e controlo ao aprendente. É a essa intersecção entre a Web 2.0 e o e-Learning que Downes chama e-Learning 2.0. Na perspectiva deste autor, um dos aspectos mais relevantes nesta mudança prende-se com as formas como os novos utilizadores, que nasceram e cresceram num mundo digital, chamados digital natives (Prensky, 2001) ou n-gen (net generation) (Tapscott, 1998)[1], interagem com a informação e encaram a comunicação e os media:
They absorb information quickly, in images and video as well as text, from multiple sources simultaneously. They operate at “twitch speed”, expecting instant responses and feedback. They prefer random “on-demand” access to media, expect to be in constant communication with their friends (who may be next door or around the world), and they are as likely to create their own media (or download someone else’s) as to purchase a book or a CD. (Downes, 16-10-2005)
Em termos concretos da aprendizagem, esta tendência manifesta-se por um deslocamento do controlo para os estudantes, em abordagens pedagógicas centradas neles e nas suas expectativas, necessidades e características. Esta perspectiva permite-lhes uma autonomia muito maior, por um lado e, por outro, dá grande destaque a uma aprendizagem activa, baseada na criação, na comunicação e na participação. Estes aspectos, é bom de ver, enquadram-se na perfeição nas mudanças registadas na população estudantil e numa cultura que, de certa forma, e em termos gerais, se centra no consumidor/cliente. Porque afinal, como refere Downes,
For all this technology, what is important to recognize is that the emergence of the Web 2.0 is not a technological revolution, it is a social revolution. (op. cit.)
Mas estas novas realidades, que esbatem, até, as distinções entre professor e estudante, entre quem ensina e quem aprende, trazem também a necessidade de novas formas de compreender, descrever e explicar a aprendizagem e os modos como ela se desenvolve. É nesse quadro que surge o Conectivismo, uma teoria da aprendizagem para a era digital proposta por George Siemens (12-12-2004), relativamente à qual Downes tem dado contributos tão significativos que pode considerar-se hoje, em nossa opinião, um dos maiores impulsionadores. Em termos simples, o Conectivismo postula que o conhecimento está distribuído numa rede de conexões e que, desse modo, a aprendizagem consiste na capacidade de construir essas redes e circular nelas (Downes, 03-02-2007). Crucial para a construção deste “aprender na rede” de que fala Siemens é que existam suportes e conteúdos disponíveis e, neste sentido, a cultura de partilha e de colaboração de que falámos a propósito da Web2.0, consubstanciada em movimentos como o software grátis open source, os conteúdos abertos, os recursos educacionais abertos ou as licenças Creative Commons, é um dos grandes alicerces do Conectivismo. É neste movimento da aprendizagem online de meio (de suporte/transmissão de informação pré-organizada) para plataforma, do software de aprendizagem online,de ferramenta de consumo de conteúdos, em que a aprendizagem é “fornecida”, para ferramenta de autoria de conteúdos, em que a aprendizagem é criada, que nasce uma nova ecologia em que o aprendente está no centro, um embrião do que viria, pouco tempo depois, a ser conceptualizado como um ambiente pessoal de aprendizagem (Personal Learning Environment)
The e-learning application (…) represents one node in a web of content, connected to other nodes and content creation services used by other students. It becomes, not an institutional or corporate application, but a personal learning center, where content is reused and remixed according to the student’s own needs and interests. It becomes, indeed, not a single application, but a collection of interoperating applications—an environment rather than a system. (Downes, 16-10-2005)
Num mundo em que os computadores começam a ter uma presença massiva, em que surgem sucessivamente novos gadgets que alargam a computação pessoal e lhe conferem mobilidade, em que as várias redes que habitamos se entrecruzam, vemos esbater-se as fronteiras entre o que aprendemos em contextos formais e em contextos informais, entre a nossa vida pessoal e a profissional, entre sermos estudantes e sermos indivíduos que aprendem, sempre, ao longo da vida. A aprendizagem torna-se ubíqua, presente em todos os momentos da nossa existência, desde os actos quotidianos mais triviais às artes e à cultura. Viver e aprender tenderão, inevitavelmente, a fundir-se (Downes, op. cit.), ou, na formulação de Ulises Mejias (2005), que nos parece bastante feliz, viveremos num estado de “Learning as (endless) becoming”. É a partir das fundações que, neste artigo, Downes estabelece para o e-Learning 2.0, que iremos desenvolver a segunda parte da nossa dissertação, abordando em maior detalhe aqueles aspectos que, em nosso entender, se revestem de maior importância.
Notas
[1] A primeira designação foi avançada por Marc Prensky em 2001, no artigo intitulado Digital Natives, Digital Immigrants; a segunda por Don Tapscott, no seu livro Growing up Digital: The Rise of the Net Generation, de 1998.
Referências Bibliográficas
Downes, Stephen (03-02-2007). What Connectivism Is. Half an Hour. Disponível em http://halfanhour.blogspot.com/2007/02/what-connectivism-is.html [acedido em 15-12-2008].
Downes, Stephen (16-10-2005). e-Learning 2.0. eLearn Magazine. Disponível em http://elearnmag.org/subpage.cfm?section=articles&article=29-1 [acedido em 15-12-2008].
Prensky, Marc (10-2001). Digital natives, digital immigrants. On the Horizon, 9(5). Disponível em http://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-%20Digital%20Natives,%20Di… [acedido em 15-12-2008].
Siemens, George (12-12-2004). Connectivism: A Learning Theory for the Digital Age. International Journal of Instructional Technology and Distance Learning, 2(1). Disponível em http://www.itdl.org/journal/jan_05/article01.htm [acedido em 15-12-2008].
Tapscott, Don (1998). Growing Up Digital. The Rise of the Net Generation. New York: McGraw Hill. Excertos e material relacionado disponíveis em http://www.growingupdigital.com/index.html [acedido a 15-12-2008].