Um dos aspectos que me parece essencial não esquecer, e que o texto em análise deixa bem claro, é que o Ensino a Distância tem um património conceptual e teórico que é de grande relevância para pensar a sua expressão mais actual – o ensino online ou o e-learning. Penso, aliás, que uma das razões que explica, em grande parte, o fracasso de muitas experiências nestas novas formas de EaD é, precisamente, o desconhecimento ou o menosprezo por essa reflexão na busca de soluções eficientes que sempre caracterizou esta modalidade de ensino. É certo que essa reflexão nem sempre foi sistemática ou isenta de confusões terminológicas ou conceptuais, o que não é de estranhar numa área relativamente nova e em que a diversidade de experiências abriu muitos caminhos diferentes. O que este texto nos propõe é, precisamente, a clarificação de vários destes aspectos, no sentido de chegar a uma caracterização e a uma definição estáveis do EaD.
A primeira dessas clarificações é relativa às noções de “abertura” e “flexibilidade”, tradicionalmente associadas ao EaD. É verdade que a insistência da maior e mais prestigiada instituição nesta área – a Open University – neste aspecto da abertura criou uma associação inevitável entre Ensino a Distância e Ensino Aberto, presente na própria designação que, ainda hoje, é a norma em língua inglesa: ODL – Open and Distance Learning. Contudo, os argumentos apresentados tornam claro que estas noções aparecem ligadas ao EaD por razões históricas e estratégicas, não sendo constitutivas ou inerentes à sua natureza. De facto, quer a “abertura” quer a “flexibilidade” são propriedades, chamemos-lhe assim, que podem estar presentes, em maior ou menor grau, em qualquer das modalidades de ensino – a distância ou presencial.
Os outros aspectos que importa não esquecer, estes sim inerentes ao EaD e de grande relevância para a compreensão da sua história e das suas práticas, são os avançados por Keegan, na sua tentativa de, a partir de contribuições várias, definir o que é o EaD, tendo em consideração, também, as adaptações necessárias à nova realidade criada pelo desenvolvimento das TIC.
A separação física entre quem ensina e quem aprende
Este é um aspecto crucial no EaD por constituir, simultaneamente, a sua maior dificuldade e o seu maior desafio. Muita (para não dizer a quase totalidade) da reflexão pedagógica e didáctica específica deste tipo de ensino desenvolveu-se, precisamente, em torno da resolução do problema da distância, na linha do que defende Garrison, e do encontrar de soluções que permitissem diminuí-la ou torná-la irrelevante. Basta referir, por exemplo, a qualidade, diversidade e riqueza dos materiais de ensino a distância, elaborados com base em pressupostos resultantes de profundas reflexões pedagógicas, didácticas, de design, dos conteúdos científicos, etc.; a procura sistemática de utilização das tecnologias que permitam a circulação de informação e a comunicação entre estudante e professor; ou toda a reflexão a propósito do papel do tutor e das formas de orientar e apoiar os estudantes, para se perceber como esta questão é central no EaD.
A mediação tecnológica
Essa busca da superação da distância passa, naturalmente, por um grande relevo dado às tecnologias que permitem fazer a mediação entre quem ensina e quem aprende. O EaD sempre procurou (e continua a fazê-lo) nas tecnologias e nos media novas formas de distribuir a informação e melhorar a comunicação, sejam eles a Rádio, a Televisão, os materiais áudio e vídeo, os suportes informáticos ou a Internet. Esta relação, quase poderíamos dizer indissociável, entre o EaD e as tecnologias leva até, por vezes, a que se perspective este tipo de ensino privilegiando os aspectos tecnológicos (e no contexto actual isso é muito frequente), esquecendo que estas são apenas um instrumento, um meio, através do qual se desenvolve e apoia o processo de ensino e o processo de aprendizagem.
A importância de uma organização
Os aspectos referidos anteriormente tiveram uma outra consequência em termos das formas como se organiza e distribui o ensino a distância. Por um lado, os requisitos para responder às elevadas exigências tecnológicas, metodológicas, de elaboração de materiais e uso de media, etc., tornaram fundamental o trabalho interdisciplinar e em equipa, visto que é necessária a colaboração de especialistas de áreas diferentes para a produção dos materiais e para o desenvolvimento do ensino e do apoio à aprendizagem. Por outro lado, criou a necessidade de optimizar os processos de disponibilização e distribuição da informação, quer no que se refere aos procedimentos burocráticos e administrativos, quer a todo o tipo de instruções, orientações e apoio aos estudantes, até pela dimensão do número de estudantes envolvidos. Daqui resultou que o EaD se organizou, desde logo, como uma linha de produção (daí o modelo industrial, proposto por Peters), desde a concepção do curso à sua publicitação, passando pelo desenho dos materiais e pela implementação do curso propriamente dita. É nesta perspectiva que pode dizer-se que, no EaD, quem ensina é uma organização, e não um professor.
A comunicação bidireccional
Este é outro dos aspectos em que a “angústia” da distância levou a processos muito criativos e inventivos, e ao enfoque na comunicação efectiva entre quem ensina e quem aprende. A necessidade de garantir que, apesar de realizar a sua aprendizagem individualmente, o estudante recebia a necessária orientação para o guiar na sua aprendizagem e dispunha de meios de comunicação que lhe permitiam resolver os problemas que surgissem, levou à emergência de propostas didácticas interessantes, como sejam o diálogo (Aretio), a conversação didáctica guiada (Holmberg) ou a tutoria via escrita (Rowntree). Por outro lado, fez com quem, em muitos casos, os estudantes a distância acabassem por ter uma comunicação muito mais frequente e, certamente, muito mais individualizada com os seus professores/tutores do que os seus colegas no ensino presencial. Daí que, e até pela própria evolução do EaD de uma perspectiva mais estrutural e organizativa para uma perspectiva mais transaccional, centrada no ensino-aprendizagem, Moore fale da distância transaccional, argumentando que esta distância, mais relevante para a aprendizagem do que a geográfica, pode ser muito maior nos contextos presenciais do que nos contextos a distância.
O EaD hoje
O que o desenvolvimento das TIC proporcionou, nestes últimos anos, foi a emergência de um dado fundamental ausente até então no EaD – o grupo de aprendizagem – com consequências tais que vários autores afirmam estarmos perante uma mudança de paradigma. As possibilidades de interacção e de comunicação já não só bidireccionais, mas também multidreccionais, do trabalho colaborativo ou de uma dimensão social da aprendizagem permitiram, por uma lado, abordagens mais construtivistas e, por outro, alteraram significativamente os papéis do professor/tutor e do estudante. Além disso, e em conjunto com uma maior disponibilidade e acessibilidade de recursos, reduziram significativamente a necessidade de produção de materiais muito sofisticados (e dispendiosos) e o peso relativo da organização/instituição no processo.
Será, talvez, pelo desaparecimento dessa sua fragilidade histórica – a ausência de um grupo de aprendizagem – e pelo consequente posicionamento do EaD no centro dos actuais paradigmas de comunicação e circulação de informação que esta modalidade de ensino evoluiu, como se refere em Barberà et al., das “margens para o estrelato”, dissipando o estereótipo de “ensino de segunda classe”.
O autor escolhido – Börje Holmberg
Há muitos autores importantes e interessantes referidos neste capítulo, pelo que a escolha é, neste caso, difícil. Mas, visto que há que escolher um (e noutro dia a escolha seria, decerto, diferente), optei por Börje Holmberg. Uma das razões prende-se com o facto de, sendo este texto uma espécie de olhar sobre o património teórico e conceptual do EaD, Holmberg ser, sem dúvida, uma das figuras que ajudou a construir esse património. A outra tem a ver com a sua teoria da conversação didáctica guiada que postula, em termos simples (ao todo são 7 os postulados), o seguinte: “”Feelings of personal relation between the teaching and the learning parties promote study pleasure and motivation”. Acho esta ideia muito atractiva, com a vantagem de, na sua simplicidade e, até, idealismo, ser quase aristocrática (no bom sentido) 🙂
Alguns dados biográficos:
- Nasceu em Malmoe, Suécia, em 1924.
- Estudou línguas (românicas e germânicas) e doutorou-se em Linguística Inglesa em 1956 (já naquela altura as pessoas, em muitos países, faziam o doutoramento em idades razoáveis).
- Trabalhou, a partir de 1953, na então maior organização de ensino a distância na Europa, a Fundação Hermods, na Suécia, da qual se tornou Director Educativo em 1956 e Director Geral em 1966. Esta universidade era propriedade de uma fundação sem fins lucrativos que, no período entre 1955 e 1975, teve taxas de inscrição anuais entre 57.000 e 100.000 estudantes (dá agora para perceber melhor o nosso atraso cá pelo burgo?). Holmberg abandonou a Fundação em 1975, quando, por dificuldades económicas, o Estado Sueco tomou conta da instituição e passou a determinar a sua acção.
- Em 1976 tornou-se director do FernUniversitaet Institute, da Renânia-Westfália, na Alemanha, dedicado à investigação em Ensino a Distância, após algum tempo como responsável por uma disciplina de Metodologia do Ensino a Distância. Manteve este cargo até à sua reforma, em finais de 1990.
De entre a sua vasta bibliografia, podem referir-se as seguintes obras:
Theory and Practice of Distance Education,
Growth and Structure of Distance Education
Mediated Communication as a Component of Distance Education
Distance Teaching of Foreign Languages
Informo-te que é a primeira vez que acedo a um blogue… “>D a sério… às vezes sou um bocado casmurra com certas novidades que de tanto serem mencionadas até chateia…
Mas valeu a pena porque tens um espaço comunicativo limpo, que privilegia a leitura como numa Biblioteca (o que muito prezo). Sobre estas questões… acho que nos encontramos lá pelo fórum do MED. Parabéns pelo teu trabalho porque até agora foi o único que consultei e que seguiu esta linha. “>)