Pluralidade, (Não) Objectividade e Função Social da Avaliação

Difícil, num texto muito interessante e estimulante sobre a avaliação (Jorge Pinto, “A Avaliação em Educação: da linearidade dos usos à complexidade das práticas”, no prelo), destacar três aspectos, sobretudo porque muitos deles estão intimamente relacionados e são interdependentes. Mas depois deste choradinho, aqui fica a minha escolha:

Pluralidade/Pluralismo em Avaliação

Este parece-me um aspecto essencial para pensar a avaliação hoje. Dadas as áreas, contextos e finalidades em que a avaliação é um elemento integrante de relevo, é importante perceber que existem estratégias, modos e instrumentos de avaliação mais adequados e eficazes para cada um deles, e que não existe, como Jorge Pinto bem refere, uma Avaliação, mas sim Avaliações. Ele é tanto mais importante devido ao facto de, por circunstâncias várias normalmente ligadas a uma economia liberal orientada para o lucro, a normalização e o consumo, a avaliação ser sobretudo vista na perspectiva mais conservadora, como algo que permite chegar à verdade das coisas e que se torna o regulador da acção e das decisões, sendo outras perspectivas sobre avaliação, mais adequadas para muitos contextos, esquecidas ou desvalorizadas.  

Objectividade-Neutralidade-Isenção da Avaliação (ou a sua ausência)

É nesta perspectiva da avaliação que se tem sustentado a sua crescente invasão e preponderância em várias áreas, desde a educação às empresas e instituições, relativamente ao funcionamento e desempenho das organizações e dos indivíduos. É nela que assenta essa crença de que avaliar mais é avaliar melhor e constitui o caminho mais rápido e mais seguro para melhorar as coisas. Essa ideia de que podemos medir com eficácia e certeza a qualidade e o desempenho do que avaliamos confere à avaliação esse carácter “científico”, naturalmente reforçado pela formalização e ritualização dos actos, momentos e instrumentos de avaliação. Funcionando numa espécie de circuito fechado, burocratizado, o sistema auto-alimenta-se auto-reforça-se, ganhando consequentemente uma forte legitimidade social (os números não mentem, os números são a realidade). Sendo certo que existem contextos e objectos de avaliação em que esta perspectiva objectiva e mensurável da avaliação é adequada e eficaz, existem muitos outros em que não é, constituindo até um impedimento sério ao desenvolvimento de estratégias de avaliação adequadas. A verdade é que em muitas situações a avaliação deve ser vista como um processo complexo, enquadrado num contexto cultural e social específico, orientado sobretudo para a resolução de problemas, dificuldades ou deficiências na acção dos indivíduos e das instituições.

A Função Social da Avaliação

Esta noção da avaliação como uma resposta a pedidos sociais explica, em grande parte, a preponderância dada à perspectiva da avaliação como medida, visto que ela acaba por funcionar como um instrumento poderoso de controlo social e de reprodução de valores e comportamentos. Foucault falava dos exames como fazendo parte das práticas de vigilância, enclausuramento e ortopedia social (como refere o texto). Lendo Foucault e actualizando a sua reflexão, Deleuze (1995, citado por Ulises Ali Mejias em Confinement, Education and the Control Society) fala das sociedades de controlo para as quais caminhamos, já não orientadas para o enclausuramento mas para o controlo contínuo e a comunicação instantânea. A educação, em vez de constituir um processo de aperfeiçoamento do indivíduo, torna-se um processo contínuo de avaliação face às normas estabelecidas numa sociedade de consumo e de serviços, e assim se transforma a educação num negócio. Basicamente, a conclusão de Jorge Pinto é uma crítica que vai no mesmo sentido, quando afirma que “O progresso e bem-estar social estiveram sempre associados à aprendizagem enquanto processo de valorização pessoal e afastados da repressão muitas vezes legitimada pela própria avaliação.”

josemota

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