A parte do artigo de Jorge Pinto que se refere à actuação do professor e às formas de avaliação é aquela que me levanta mais dúvidas e inquietações, porque a sinto como muito programática e reducionista, e vou tentar explicar porquê.
Esta visão que opõe ensino e aprendizagem como dois pólos que se contradizem, criando uma espécie de contentores pedagógicos a que corresponderiam tipos de avaliação específicos, não só descreve mal a realidade como assenta em perspectivas muito redutoras e simplistas do que é ensinar e aprender, do que é passividade ou actividade cognitiva e emocional. Penso que seria muito útil compreendermos que várias destas noções estão datadas e que transportam consigo o lastro do contexto cultural e social em que emergiram e se desenvolveram, muitas vezes como reacção face a modelos considerados inadequados. E, por isso, talvez seja altura de revisitar algumas destas perspectivas e actualizá-las face à(s) realidade(s) do século 21.
“Ensinar” não é só transmitir informação de forma organizada e estruturada. Uma parte importante de ensinar também é modelar comportamentos, atitudes e abordagens (emocionais e cognitivas), formas de obter e lidar com a informação, de resolver problemas ou de formular questões.
“Ensinar” no sentido restrito de transmitir informação não tem, em si mesmo, nada de errado, a não ser que seja a única estratégia utilizada. Livros, filmes, palestras, CD-ROMs, etc., são formas de transmitir informação estruturada que são úteis e altamente recomendáveis. Quando “ensina” assim, o professor não faz mais do que funcionar como um recurso adicional a juntar aos mencionados, com a vantagem de ser interactivo (os alunos podem fazer perguntas e pedir esclarecimentos), coisa que alguns recursos não são.
A ideia de que o aluno é passivo quando assiste a uma prelecção/momento expositivo/ensino no sentido restrito é altamente questionável. Bem pelo contrário, o aluno até pode estar altamente activo, quer do ponto de vista intelectual quer emocional, processando a informação e fazendo com ela todas aquelas operações que a transformam em conhecimento (contrastando com o que já sabe, formulando hipóteses sobre o que virá a seguir e confirmando ou infirmando essas hipóteses, redesenhando o seu saber para integrar a nova informação, etc.).
A verdade é que um professor desempenha tipicamente uma série de papéis diversos ao longo do processo, às vezes até na mesma sessão/aula, e tem que se preocupar simultaneamente com as três áreas referidas – o ensino e a aquisição de conhecimentos; o aprofundamento da sua relação com os alunos e o conhecimento das suas características individuais; e o desenvolvimento da autonomia e da independência dos alunos como aprendentes e como indivíduos.
Da mesma forma, as estratégias, modos e instrumentos de avaliação também são variados, de acordo com as diversas fases de trabalho e com os objectivos e função dessa avaliação.
A própria forma como são definidos os vários tipos de avaliação – sumativa, formativa e formadora – a correspondência estabelecida e a designação de um elemento “passivo” em cada um dos tipos (aluno, saber, professor) são altamente questionáveis e, em meu entender, pouco interessantes. As definições avançadas para a avaliação sumativa e a avaliação formativa não correspondem sequer às noções geralmente atribuídas a estes conceitos na literatura sobre avaliação, e não me parecem suficientemente fundamentadas.
Em meu entender, as coisas não são assim tão lineares – a combinação das características dos instrumentos de avaliação e a função e objectivos com que são utilizados podem produzir situações mistas: a informação recolhida a partir dos resultados (dados de avaliação, não classificações) de um teste sumativo pode ser utilizada com uma finalidade formativa, revisitando os aspectos mais críticos e utilizando outras estratégias para promover determinadas aprendizagens de forma mais eficiente; o somatório da informação resultante dos dados recolhidos ao longo do processo numa avaliação de carácter sobretudo formativo pode permitir a tomada de decisões fundamentada relativamente à classificação dos alunos, à sua progressão ou outras (o que é a avaliação contínua senão isso?).
Depois, há ainda a questão do aprender a aprender, dos processos de auto-avaliação, etc. Sendo que estes são aspectos que há que cuidar e ajudar os alunos a desenvolver, convém ter a noção das capacidades e limites quer das diferentes faixas etárias, quer dos próprios indivíduos.
Espero que seja óbvio que esta mensagem não é uma crítica ou comentário às escolhas da Samy, nem pretende hostilizar ningém que acredite muito convictamente nestas ideias. Queria apenas partilhar estas reflexões porque me parece que um certo espírito doutrinário e programático (que encontro nesta parte do texto de Jorge Pinto), não raro exageradamente “romântico”, adoptado por alguns autores na área da Pedagogia ou das Ciências da Educação, teve como resultado uma forte reacção a que hoje se assiste: a Pedagogia é vista como uma aldrabice que não é necessária à Educação e que, bem pelo contrário, é até prejudicial, e exige-se uma escola pragmática, assente nos resultados e na performance mensurável, na standardização e ao serviço da economia e do mercado de trabalho, uma escola expurgada de idealismos ou romantismos. Isso não me parece nada bom, mas para que essa perspectiva possa ser contrariada o discurso pedagógico tem que encontrar um equilíbrio que garanta a eficácia das aprendizagens e seja compatível com a realidade do mundo contemporâneo.