Autor: José Mota
Data: Jan 15 2006 12:58:PM
Assunto: Re:Fórum Assíncrono I – 2ª Fase
Por princípio, sou muito avesso a abordagens maniqueístas, do tipo o “o admirável mundo novo das TIC e da Internet” versus “a escola ultrapassada, transmissora de saber em formas obsoletas, e o professor figura de autoridade”. Este discurso parece-me gasto, feito de pacotinhos liofilizados de conceitos a que é só juntar água para ter um texto muito politicamente correcto.Não quero, com isso, dizer que as novas tecnologias não abrem possibilidades fantásticas (sou um grande aficionado), ou que este texto não levanta algumas questões fundamentais e que vale a pena discutir. Só questiono o ponto de vista. A questão mais importante, em meu entender, passa pelo desafio que se põe, neste momento, à escola e à sociedade, e que é alterar o modelo organizacional da escola que, com algumas alterações não muito substanciais, é ainda o da sociedade industrial – saberes divididos em disciplinas, com a sua fragmentação horária; alunos agrupados em turmas que têm as mesmas aulas o ano todo, sem qualquer atenção a interesses e competências diferenciados, etc. O problema é que mudar isto é muito difícil e, provavelmente, muito caro, além de exigir uma autonomia e responsabilidade dos alunos e das famílias ainda longe do nosso patamar de desenvolvimento, por um lado, e uma reformulação radical do modelo de funcionamento da escola e do papel dos professores. A história de fracasso que tem sido a tentativa de introdução dos computadores nas escolas, que vem já desde os anos 80, tem, em meu entender, muito a ver com esta lógica organizacional e com o consequente desenho dos espaços físicos e das circunstâncias em que se desenvolve o trabalho.
É evidente que, numa sociedade mediatizada e onde a informação flui com intensidade e rapidez, a escola perdeu muito do seu poder na modelagem “de valores, atitudes e normas” e, juntaria eu, conhecimentos. Mas também me parece importante questionar a validade e qualidade do que tem vindo a ser modelado por essas forças maiores da sociedade de informação, bem como da informação que circula por essa teia de vasos comunicantes, meio anárquica, que é a Internet. E importa, sempre, lembrar o básico: conhecimento e informação são duas coisas totalmente distintas, sendo que a escola se preocupa, maioritariamente com o primeiro.
Outro aspecto que talvez mereça alguma atenção é que, na realidade, a Internet é, com algumas poucas excepções, tão “escritocêntrica” como a escola. A quase totalidade da informação comunicada através da Internet assume uma forma escrita, embora se possa, eventualmente, considerar a existência de uma maior diversidade de códigos, sendo que, frequentemente, estes não servem para aumentar a capacidade de expressão e articulação de ideias e pensamentos complexos, tornar as pessoas mais inteligentes ou mais capazes de comunicar de forma eficiente ou desenvolver competências para lidar de forma adequada e produtiva com o imenso fluxo de informação a que podem aceder.
Discordo muito da afirmação que diz “até porque cada vez mais a teoria escolar se vai distanciando da prática, entre o mundo escolar e do trabalho”. Este aspecto é uma das preocupações insistentes actuais no pensamento sobre a escola e, se bem que haja ainda muito a fazer, a tendência ou o esforço desenvolvido vão precisamente no sentido contrário. Aliás, alguns dos problemas relativos ao controlo do que se aprende e do que se avalia na escola, e da pouca flexibilidade nos percursos escolares e nas aprendizagens têm, sobretudo, a ver com a necessidade de a escola produzir certificações que sejam consideradas adequadas pela sociedade e pelo mundo do trabalho.
Em suma:
- concordo com a necessidade de a escola alterar os seus modos organizacionais e encontrar um modelo mais adequado à sociedade da informação (o aspecto mais relevante neste texto, na minha opinião);
- concordo, por extensão, que os professores têm, obrigatoriamente, que orientar o seu trabalho e a percepção que têm do seu papel tendo em conta as forças maiores do mundo contemporâneo e as linguagens que configuram a comunicação, bem como as formas de organização e circulação da informação;
- concordo com uma relativa articulação entre a escola e o mundo do trabalho, desde que não se queira ver a escola como uma instituição vocacionada para a formação de unidades produtivas nos termos e moldes que mais interessam às empresas e às prioridades do mercado;
- defendo a necessidade de ter uma abordagem crítica face a essas formas de comunicação e à qualidade e validade da informação e das visões do mundo (comportamentos, atitudes, valores) veiculados pelos vários media, sendo que a escola não é propriamente uma instituição que tenha por missão dar aos seus alunos aquilo que eles queiram, independentemente de um juízo sobre o seu valor. Ao contrário de todos esses meios, a escola é uma instituição educativa e, nesse sentido, tem uma responsabilidade totalmente diferente;
- discordo destas visões antitéticas escola/sociedade, escola/mundo do trabalho; escola/Internet, etc. A escola é parte da sociedade, está integrada nela, como estão as outras realidades, as pessoas que a habitam (professores, alunos e funcionários) fazem parte da população, o que é ou não é resulta, em grande parte, das circunstâncias reais e concretas da sociedade no seu todo. Há que pensar a escola em articulação com tudo isso, mas sem esquecer a sua natureza, que é educativa e formativa.
Respondendo à questão sobre se este texto dá uma análise suficientemente completa e abrangente do problema complexo da relação da educação com a sociedade em rede, parece-me que, para o fazer, o texto teria que ter concretizado este desafio:
Isto conduzir-nos-ia à necessidade de concretizar um projecto educativo concreto, com uma filosofia educativa, que adeque as práticas e as actuações escolares às novas exigências sociais.