As implicações de vários dos aspectos presentes neste capítulo IV do texto de Ong para a comunicação mediatizada e para a educação são várias e importantes. Refira-se, a título de exemplo, que a adopção desta perspectiva torna absolutamente imprescindível que o desígnio primeiro e mais importante da escola seja o domínio razoável da expressão escrita na língua materna, dada a importância que tem para a estruturação do pensamento abstracto e para o acesso ao conhecimento complexo. Contudo, e por razões de economia compreensíveis, concentramo-nos apenas em algumas implicações relativas ao EaD.
Dado o facto de a comunicação no EaD ser, sobretudo, realizada através da escrita, um dos aspectos mais relevantes parece-nos ser o da ausência de contexto físico real neste tipo de comunicação.
Enquanto que a palavra oral está enraizada no contexto de enunciação, nas circunstâncias, no presente real e existencial, a palavra escrita está isolada desse contexto. Na escrita, as palavras aparecem sozinhas no texto, e quem as escreve está também sozinho e não na presença do interlocutor. A escrita opera, além disso e por causa disso, um distanciamento entre o texto e o seu autor que, por um lado, lhe confere uma maior objectividade (ainda que possa ser aparente) e, por outro, confere ao discurso um carácter definitivo e perene: o texto não pode ser directamente refutado, diz sempre o que diz, apenas pode ser interpretado, e essa é sempre uma área de incerteza.
O facto de o contexto extratextual estar ausente não só para o leitor como para o escritor obriga a que, para se ser claro na ausência de gestos, expressões faciais, entoação, receptor, seja preciso prever todos os sentidos possíveis que o texto pode exprimir, ao mesmo tempo que se imagina um receptor/interlocutor, e as circunstâncias da sua recepção, que são sempre, em certa medida, uma ficção (e é precisamente neste deslocamento que emerge a ambiguidade).
Em termos práticos, nos contextos a distância isso implica um cuidado adicional com os termos em que elabora o discurso, quer no sentido de veicular informação de forma não-ambígua, quer no sentido de evitar mal-entendidos que possam resultar de usos metafóricos ou figurativos, como sejam, por exemplo, o humor ou a ironia.
Outro aspecto relevante, e relacionado com este, é a noção de escrita como tecnologia, ou seja, como algo que, se interiorizado de forma adequada, expande as capacidades do ser humano. Em concreto, permite a estruturação do pensamento em termos mais abstractos, aumenta a consciência sobre o discurso que se elabora, aumenta a capacidade de introspecção e análise e, por consequência, a realização de tarefas cognitivas mais complexas e o acesso a um conhecimento mais profundo.
Pelo facto de ser um processo que não se desenrola numa situação síncrona de comunicação, a escrita permite reelaborar o discurso (eliminar, apagar ou mudar o que se escreveu) antes de se tornar público, ao contrário da oralidade, em que o que se disse não pode ser já retirado, apenas retractado.
Interessante em algumas formas de comunicação presentes no contextos a distância, como o chat, por exemplo, é que embora se esteja a comunicar através da palavra escrita, essa comunicação configura um misto entre as circunstâncias da linguagem escrita e da linguagem oral. O contexto extratextual continua ausente, mas a comunicação desenrola-se num presente real (é síncrona) e exibe muitas das características do discurso oral: não há lugar a reelaboração do texto, não há situação solitária de nenhum dos interlocutores, as necessidades de fluência e rapidez na comunicação levam à adopção de um registo mais próximo do oral e do informal do que da linguagem escrita.
O mesmo pode acontecer, ainda que um pouco mitigado, nas discussões assíncronas com alto grau de interacção e frequência de intervenção, dado que as contribuições tendem a ser relativamente curtas e, dado o carácter de “urgência” ou “oportunidade” que as move, o tempo para uma eventual reflexão é bastante curto, sendo frequente que não haja qualquer reelaboração do discurso.