O Público e o Privado (a propósito do real e do virtual)

Muito interessante a forma como Maria Elisa Sayeg aborda a questão dos blogs e da “partilha da privacidade” e a relaciona com a noção do “cultivo da subjectividade como um produto” típica da sociedade de consumo pós-moderna.

A verdade é que sendo o Ciberespaço um território relativamente novo da experiência e da actividade humanas, a nossa percepção sobre as características e a natureza desse território vai evoluindo mais devagar do que a nossa vivência dele. Muitas pessoas têm, de facto, dificuldade em percepcionar que o que partilham/disponibilizam numa página da Internet está no espaço público global, acessível a todos. Com a agravante de, ao contrário das formas tradicionais de discurso público, o acesso ao autor e a manipulação do “dito” ser incomparavelmente mais fácil no mundo digital em rede.

Mas se existe uma tendência para partilhar mais do espaço privado de cada um, a verdade é que isso não significa que se partilhe uma intimidade ou uma autenticidade do ser. O que as pessoas mostram ao mundo não é o que são, mas o que querem parecer, e o facto de isso ser maioritariamente veiculado através da escrita dá um controlo razoavelmente extenso.

Mesmo quando se usam imagens ou video, como o caso referido de Jenni, o que se conclui é que ela está a partilhar uma pseudo-privacidade, uma ilusão de intimidade – o que vemos é a superfície das coisas (os objectos, os espaços). Ou seja, mostra-se mas não se revela.

Vários destes aspectos, aliás – a fragmentaridade do sujeito, a multiplicidade de identidades (ou a instabilidade da noção de identidade), a permeabilidade entre o espaço público e o espaço privado, a encenação do ser que se quer parecer, etc. – são, como discutimos em CE a propósito do Lévy, marcas da cultura pós-moderna, estabilizadas e reconhecíveis muito antes de a Internet exisir e estar disseminada. O que parece acontecer é que a natureza do digital (dada a sua modularidade e transformabilidade), por um lado, e as possibilidades de comunicação multi-lateral das redes criaram um espaço muito adequado à expressão e desenvolvimento destes aspectos. Nesse sentido, é interessante lembrar o que diz Castells:

Os sistemas tecnológicos produzem-se socialmente e a produção social é determinada pela cultura.

Sem negar, naturalmente, que a utilização das tecnologias (a vivência do território) possui depois uma dinâmica própria que gera transformações e produz formas novas de expressão cultural e social.

josemota

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