3.2.1. A relevância do trabalho colaborativo no ensino online

Até meados dos anos 80 do século passado, a questão do trabalho colaborativo no contexto da Educação a Distância nem sequer se punha, por razões óbvias, dada a ausência constitutiva do grupo de aprendizagem. Tendo em conta as circunstâncias específicas em que se desenvolviam o estudo e a aprendizagem nesta modalidade de ensino, a perspectiva pedagógica assentava na promoção da auto-aprendizagem e do estudo independente, na linha do que defendiam autores fundamentais como Wedemeyer (1981), Holmberg (2001) ou Moore (1989; 1997), entre outros. A interacção primordial desenvolvia-se entre o estudante e os conteúdos, organizados segundo princípios bem definidos de desenho instrucional, que procuravam embeber nos materiais dispositivos didácticos que oferecessem o suporte necessário ao estudo e à aprendizagem independentes, com alguma interacção entre o estudante e o tutor, que fornecia apoio e orientação.

Por volta de finais da década e início da década de 90, contudo, esta situação alterou-se dramaticamente. Os avanços nas Tecnologias da Informação e da Comunicação e o desenvolvimento da Internet abriram potencialidades e oportunidades ao EaD que revolucionaram, em certa medida, a forma como se concebia o ensino e a aprendizagem neste contexto, ao permitir, finalmente, a existência de um grupo de aprendizagem e níveis elevados e diversificados de interacção entre os vários intervenientes.

Para Linda Harasim (1989; 2000), estas mudanças eram suficientemente profundas para que se pudesse falar do Ensino Online como um novo domínio educacional e como um novo paradigma na aprendizagem, baseado no trabalho colaborativo e na construção partilhada do conhecimento. Para outros, como Lina Morgado (2003a; 2003b), essa mudança de paradigma existia, de facto, mas mantinha-se dentro do domínio do Ensino a Distância, dado reter muitas das características essenciais deste.

Joram Ngwenya, David Annand & Eric Wang (2004) dão-nos conta do debate que na altura se travou em torno da importância da interacção e do diálogo no EaD, corporizado em duas visões distintas: por um lado, a manutenção da perspectiva tradicional do EaD, defendida por autores como Holmberg (2001) ou Keegan (1996), para quem as novas potencialidades tecnológicas não traziam mais do que um alargar das possibilidades de comunicação e de acção no EaD, mantendo-se como vertente essencial nesta modalidade de ensino as noções de auto-aprendizagem e de estudo independente; e, por outro, a perspectiva de autores como Randy Garrison et al. (2000), para quem o debate e o diálogo eram essenciais à aprendizagem, ou Jonassen, Davidson, Collins, Campbell e Banaan-Haag (referidos por Ngwenya, Annand & Wang, 2004), para quem as novas formas de comunicação permitiam a construção social do conhecimento entre os estudantes a distância através da interacção

Esta divergência de perspectivas parece, apesar de tudo, manter-se hoje em dia, sendo inúmeros os exemplos de cursos e experiências que optam por uma ou outra abordagem, e até de experiências que procuram conciliar as duas – estudo individual, independente e auto-regulado e colaboração entre estudantes, como é o caso do sistema ASKS (Asynchronous Knowledge Sharing) descrito por Ngwenya, Annand & Wang (2004), ou a flexibilidade referida por Robin Mason (1998; 2002; 2003) quanto ao nível de participação exigido nas discussões, tendo em conta as necessidades e as características individuais dos estudantes. Parece-nos, então, que esta questão da importância do trabalho colaborativo para a aprendizagem na rede está dependente de uma tomada de decisão prévia, a saber, qual destas perspectivas se adopta, sendo que essa decisão pode levar em linha de conta aspectos tão diversificados como as características do grupo-alvo, a natureza dos conhecimentos ou competências a adquirir ou desenvolver, os objectivos que se pretendem alcançar ou os meios tecnológicos disponíveis, entre outros factores.

Existem já, no entanto, várias contribuições que apontam para as vantagens da aprendizagem colaborativa face a outras abordagens, sejam elas provenientes do ensino a distância convencional ou do ensino presencial, de cariz marcadamente tradicional no que se refere à educação de adultos. O estudo realizado por Elizabeth Stacey (1999) com estudantes ao nível de um Mestrado a distância fornece dados interessantes relativamente à importância do trabalho colaborativo no ensino online. A autora distribui os aspectos positivos identificados por duas categorias – atributos da construção social do conhecimento (através da aprendizagem colaborativa) e atributos de um contexto de apoio para o comportamento colaborativo – e afirma que o estabelecimento de um ambiente de aprendizagem que incluía apoio socio-afectivo e colaborativo motivou os estudantes e desenvolveu a sua auto-confiança. Por outro lado, a colaboração técnica na resolução dos problemas relacionados com as ferramentas utilizadas contribuiu para desenvolver a coesão do grupo e facilitar a sua gestão, ao passo que a colaboração motivou os participantes para estudarem de forma efectiva e para procurarem continuar a trabalhar dessa forma no resto do curso. Assim, a autora conclui:

Learning collaboratively through group interaction was found to be achieved through the development of a group consensus of knowledge through communicating different perspectives, receiving feedback from other students and tutors, and discussing ideas until a final negotiation of understanding was reached. In this research study, the interactive communication process was facilitated through the CMC, which established a vehicle for socially constructed learning at a distance. (Stacey, 1999)

Também Hiltz (1998), a partir dos estudos que realizou no New Jersey Institute of Technology, afirma que o facto de os estudantes trabalharem em grupo, em vez de isoladamente, aumenta a motivação, a percepção do desenvolvimento de competências e os níveis de satisfação dos estudantes. Segundo a autora, se os estudantes estudarem sozinhos online, interagindo com os conteúdos, o grau de eficácia relativamente ao ensino presencial é inferior. Contudo, a utilização de estratégias de trabalho colaborativo pode tornar o ensino online tão efectivo, pelo menos, como o ensino presencial. Hiltz conclui que as abordagens colaborativas são mais produtivas para a aprendizagem online do que as abordagens pedagógicas que enfatizam uma relação individual do estudante com os conteúdos disponibilizados online, chamando a atenção para a importância do professor/tutor na modelação e no encorajamento do comportamento de colaboração desejado, e para a necessidade de os estudantes poderem e quererem participar regularmente.

 

Referências Bibliográficas

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