A noção (ou noções) de Personal Learning Environment (Ambiente Pessoal de Aprendizagem) representa, de certa forma, o convergir de muitos dos aspectos que temos vindo a referir no que toca às mudanças sociais e culturais provocadas pelo desenvolvimento tecnológico, nomeadamente com a Web 2.0, e que acabam por ter, inevitavelmente, um forte impacto na educação e na concepção da aprendizagem. Os PLEs representam, se quisermos, uma busca para operacionalizar nestas áreas os princípios do e-Learning2.0, do poder e autonomia do utilizador / aprendente, da abertura, da colaboração e da partilha, da aprendizagem permanente e ao longo da vida, da importância e valor da aprendizagem informal, das potencialidades do software social, da rede como espaço de socialização, de conhecimento e de aprendizagem.
O e-learning num impasse, burocratizado, na forma de objectos de aprendizagem servidos em Sistemas de Gestão da Aprendizagem (Learning Management Systems – LMSs) ou Ambientes Virtuais de Aprendizagem (Virtual Learning Environments – VLEs) fechados e veiculando visões tradicionais do ensino e da aprendizagem de que falava Downes (16-10-2005) não respondia, de forma alguma, às novas necessidades dos aprendentes/utilizadores, nem à nova realidade emergente. A ideia dos PLEs terá aparecido pela primeira vez, segundo reporta o wiki do CETIS[1], num artigo de Bill Olivier & Oleg Liber escrito em 2001 e intitulado Lifelong learning: the need for portable personal learning environments and supporting interoperability standards. Nele, Olivier & Liber propunham, segundo Severance et al. (01-04-2008), a integração dos contextos institucionais de aprendizagem com um modelo peer-to-peer que se centrasse na aprendizagem pessoal e ao longo da vida. Este artigo destinava-se à participação numa conferência internacional a realizar em Itália, no início de 2002, mas foi retirado por nenhum dos seus autores poder estar presente (CETIS). Contudo, as ideias aí avançadas foram-se disseminando e ganhando suficiente importância para, em 2004, este conceito ser o tema de uma sessão numa conferência sobre interoperabilidade organizada pelo JISC em Oxford, no Reino Unido (Severance et al., op. cit.). O CETIS acabaria por ser financiado pelo JISC para elaborar um modelo de referência e de especificação do PLE, bem como um protótipo de implementação. O projecto decorreu entre Agosto de 2005 e Julho de 2006[2], e foram produzidas duas aplicações – o PLEW (servidor) e o PLEX (desktop) (CETIS).
Para Wilson et al. (19-09-2006; 07-2007), os erros graves de design inerentes aos sistemas modulares dos VLEs, que promoviam uma experiência isolada do mundo, podiam ser ultrapassados pelo enfoque num novo tipo de padrão – o Personal Learning Environment – assente nas práticas dos utilizadores relativamente à aprendizagem com diversas tecnologias. A necessidade de encontrar pontes entre as aprendizagens formal e informal e de cumprir os objectivos da aprendizagem ao longo da vida, permitindo ao utilizador integrar as suas experiências em vários contextos, conjugada com as formas emergentes de software social e do novo paradigma da Web como plataforma tecnológica questionavam, definitivamente, a hegemonia dos VLEs.
Para Stephen Brown (09-07-2008), a Web 2.0 parece propiciar uma infra-estrutura ideal para que se concretize a visão que Ivan Illich desenvolveu há quase 40 anos, em Deschooling Society, das learning webs (redes de aprendizagem). Estas redes, na perspectiva de Illich (1970), deviam apoiar a aprendizagem em quatro tipos de objectivos: o acesso a objectos educacionais que dessem suporte à aprendizagem formal; o intercâmbio de competências, em que as pessoas poderiam anunciar a sua disponibilidade e competências; o encontro de pares, em que seria possível localizar outras pessoas disponíveis para colaborar; e o acesso a educadores profissionais, em vez de programas educacionais ou instituições educativas. Segundo Brown, a Web 2.0 tem o potencial para mudar radicalmente a natureza do ensino e da aprendizagem e, através da criação de redes de aprendizagem controladas pelos aprendentes, questionar o papel tradicional das instituições educativas.
Na perspectiva de George Siemens (07-12-2008), os PLEs devem a sua existência ao desenvolvimento de tecnologias que se centram na interacção social e na colaboração, características da Web 2.0.
Terry Anderson (26-01-2007), na comunicação apresentada na conferência online sobre PLEs, promovida por George Siemens na Universidade de Manitoba em Janeiro de 2007, refere a escolha da revista Time para personalidade do ano em 2006 – You[3] – para, a partir daí, tentar caracterizar um novo público no domínio da educação e da formação. Esta “personalidade do ano”, segundo o autor, quer aprender, desloca-se continuamente entre o mundo online e o mundo físico, está a aprender a reconhecer e a exigir qualidade quando investe na sua aprendizagem, sabe que existem muitos caminhos para a aprendizagem e usa uma grande variedade de ferramentas de informação e de comunicação. Neste sentido, é fundamental melhorar continuamente a qualidade das condições de aprendizagem, encarando a Educação como uma experiência académica, individual e social, e dando a quem aprende controlo e liberdade nessa experiência, aspectos cruciais na aprendizagem e na educação ao longo da vida no século XXI (op. cit.).
As potencialidades existentes (designadas por affordances) em 3 domínios – as enormes quantidades de conteúdos disponíveis (abertos, interactivos, personalizáveis); as comunicações de alta qualidade e baixo custo (multisíncronas, móveis, embebidas, disseminadas); e os agentes (alertas do Google, RSS, etc.) – estimulam uma cultura participatória e obrigam a uma expansão da aprendizagem dos contextos educativos tradicionais para um que estimule, facilite, recompense e avalie a aprendizagem “anytime, anyplace, anywhere, for any reason” (op. cit.: Slide 27).
Figura 7 – Affordances of the Educational Semantic Web. Terry Anderson (26-03-2007: Slide 12).
Esta aprendizagem desenvolvida através de redes e comunidades (de práticas, de inquirição) e consubstanciada num Personal Learning Environment encontra, de acordo com Anderson (op. cit.), uma base pedagógica forte no Conectivismo de Siemens (12-12-2004), na Comunidade de Inquirição (Community of Inquiry) de Garrison & Anderson (2003), na Aprendizagem Virtual Integrada e na Pedagogia da Proximidade de Mejias (2005), na Construção e Partilha de Artefactos por parte dos aprendentes de Collis & Moonen (2001), e nos Novos Ambientes de Aprendizagem de John Seely Brown (2006).
Também para Dave Cormier (03-12-2008), é preciso encontrar outra respostas adequadas à sociedade actual:
We are in a post-knowledge-scarcity society and the VLE as it is currently conceived is still designed for transmitting knowledge scarcity.
Trabalhar em ambientes fechados – walled gardens – como o Moodle ou o Blackboard obriga as pessoas a fazer cópias de todos os conteúdos que considerem relevantes, impedindo-as, por outro lado, de usar o seu trabalho para construir uma rede que exista para além do final do curso e, dessa forma, construir um corpo de trabalho que possam referenciar (op. cit.).
Na perspectiva de Mark van Harmelen (08-2006), que tem desenvolvido um trabalho de grande relevância nesta área, podemos identificar três grandes razões que fundamentam os PLEs:
1) a necessidade, em termos da aprendizagem ao longo da vida, de um sistema que ofereça às pessoas uma interface padrão com os diversos sistemas de e-learning das diferentes instituições, permitindo construir e manter um portfólio entre instituições;
2) uma resposta às abordagens pedagógicas que postulam que os sistemas de e-learning devem estar sob o controlo dos aprendentes;
3) as necessidades destes, que preferem, por vezes, trabalhar offline. Deste ponto de vista, o PLE seria o sistema de e-learning de um utilizador individual, fornecendo-lhe acesso a uma grande variedade de recursos de aprendizagem, por um lado, e permitindo, por outro, o acesso a aprendentes e professores que usam outros PLEs ou VLEs.
A abordagem educativa que impulsiona o desenvolvimento dos PLEs, segundo van Harmelen (04-2008), perspectiva os aprendentes como tendo o poder de definir e controlar a sua aprendizagem, caracterizando-se por ser “self-directed (…) autonomous or independent learners” (35). Em termos pedagógicos, encontra o seu fundamento no socioconstrutivismo, que postula que o conhecimento é criado pelos aprendentes no contexto da interacção social e como resultado desta, e no construcionismo de Papert, pela construção de artefactos por parte do aprendente para consumo público, sem deixar contudo de admitir que os PLEs podem ser implementados segundo diferentes arquitecturas e com funcionalidades interactivas diferentes, de modo a suportarem diversas abordagens pedagógicas (op. cit.).
Em Personal Learning Environments – the future of e-Learning? (01-2007) e no posterior Integrating personal learning and working environments (11-2008), com Cristina Costa, Graham Attwell congrega muitas destas ideias, com enfoque especial na relevância da aprendizagem informal, da aprendizagem ao longo da vida e da autonomia e responsabilidade do indivíduo na sua aprendizagem e na construção de conhecimento e conteúdos. Através das ferramentas de software social disponíveis, os aprendentes podem agregar as aprendizagens desenvolvidas em diferentes contextos (formais e informais) e a partir de diferentes fontes e manter um registo das mesmas, em portfólios que podem ser organizados e disponibilizados de formas diferentes. A promessa dos PLEs seria, assim, para além desta capacidade de integração e partilha da aprendizagem e do conhecimento, a de proporcionar o acesso à tecnologia educativa de todos os interessados em organizar a sua aprendizagem.
Notas
1] O CETIS (Centre for Educational Technology and Interoperability Standards –http://wiki.cetis.ac.uk) é um centro de investigação no Reino Unido financiado pelo JISC (Joint Information Systems Committee).
2] Este projecto foi desenvolvido no âmbito do CETIS por uma equipa da Universidade de Bolton, Reino Unido, constituída por Phil Beauvoir, Mark Johnson, Oleg Liber, Colin Milligan, Paul Sharples e Scott Wilson, O relatório do projecto (bem como outras informações relevantes relativas ao mesmo) encontra-se disponível em http://wiki.cetis.ac.uk/Ple.
3] “Tu”, “Você”, “Vocês” ou os mais formais “O senhor”, “A senhora”, “Vós” são tudo traduções possíveis deste termo inglês. Dado o contexto, no entanto, parece-nos que a intenção aqui seria dirigida a uma pessoa singular: a capa continha uma superfície espelhada em que o leitor se via reflectido.
Referências Bibliográficas
Anderson, Terry (26-01-2007). Personalized learning Systems and you. PLE Conference. Universidade de Manitoba. Slides disponíveis em http://www.umanitoba.ca/learning_technologies/plesymposium/PersonalizedlearningSystemsandyou.ppt [acedido em 15-12-2008] e vídeo disponível em http://media.cc.umanitoba.ca:8080/ramgen/academic_support/ltc/ple/keynote.rm [acedido em 15-12-2008].
Attwell, Graham (01-2007). Personal Learning Environments – the future of e-Learning? eLearning Papers, 2(1). Disponível em http://www.elearningeuropa.info/files/media/media11561.pdf [acedido em 15-12-2008].
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Cormier, Dave (03-12-2008). How PLEs make sense to me. Dave’s Educational Blogue. Disponível em http://davecormier.com/edblog/2008/12/03/how-ples-make-sense-to-me-intro-to-emerging-tech-week-3/ [acedido em 15-12-2008].
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Wilson, Scott; Beauvoir, Phil; Milligan, Colin; Sharples, Paul; Johnson, Mark; & Liber, Oleg (19-09-2006). Personal Learning Environments: Challenging the dominant design of educational systems. Artigo apresentado na Joint International Workshop on Professional Learning, Competence Development and Knowledge Management (LOKMOL and L3NCD), Heraklion, Outubro 2006 Disponível em http://hdl.handle.net/1820/727 [acedido em 15-12-2008].